18/08/06

Aprender com Saul Bellow

Penso que muitas vezes é nos autores de ficção de eleição ( como é o caso de Saul Bellow ) onde encontramos as melhores reflexões sobre a situação política que vivemos. E não nos analistas e comentadores políticos !
O livro " Morrem mais de mágoa" é de 1987 ( editado pela "Livros do Brasil" em 1990 ), ainda no período da Guerra Fria. O personagem e narrador ( Keneth ) está de visita à sua mãe ( já divorciada do pai ) que desenvolve trabalho humanitário na Somália. Transcrevo parte do que Keneth disse à mãe depois de um jantar:

" ... no Leste ( europeu ), a espécie humana sofria a provação da privação. Muitas das funções humanas superiores eram eliminadas. Nos E.U.A. tínhamos, ao invés, uma população confinada aos mais baixos dos interesses humanos - na Rússia, a ênfase encontrava-se na abolição do superior; na América, na cedência ao inferior. Numa visão superficial, é assim que pode parecer. A opinião culta nos E.U.A. inveja ao Leste as suas oportunidades de mais cultura e desenvolvimento, porque sofrem mais profundamente. Aqui, o sofrimento é trivial. Ninguém é feito em fanicos por causa das suas ideias. Isso significa que é como se estivéssemos a jogar gamão. Bem, talvez. Mas o Homo sovieticus é uma entidade chata. Embora a culpa não seja sua, admito. É principalmente uma questão do modo como o espírito humano foi derrotado pela chamada Revolução. No entanto, há um trunfo russo especial, que é a crença de que a Rússia é a pátria das emoções mais profundas e sinceras. Dostoievski, entre outros, fomentou essa fama de paixão ilimitada. O Ocidente não era mais do que um hospital para amputados em consequência de enregelamento emocional e outros deficientes. Bem, russos que nos dizem que fomos levados. Lev Navrozov, que não é parvo nenhum, diz que, no tocante a comportamento puramente emocional, a América é, no século XX, o que a Rússia foi no século XIX. Há, aqui, uma demonstarção muito maior de sentimento do que na União Soviética. Não é um sentimento totalmente agradável, mas é abundante."
Sentindo que a mãe não concordava e já nem o ouvia , mais à frente, diz para si próprio :
" Eu podia ter-lhe dito ( num espírito de branda correcção ) que o sofrimento russo era, numa visão histórica lata, sofrimento na sua forma clássica, o sofrimento que a humanidade sempre conheceu melhor na guerra, na peste na fome e na escravidão. Estas, as suas formas fundamentais e universalmente familiares, com certeza tornavam os sobrevivente humanamente mais profundos. A minha tentação era tentar fazê-la compreender que os sofrimentos da liberdade também tinham de ser considerados. Caso contrário, estaríamos a conceder uma posição superior ao totalitarismo, a dizer que só a opressão conseguia manter-nos honestos. Personalidades livres que não recebiam auxílio algum, quer do céu surdo quer da terra neutra, defrontavam-se com opções mortalmente perigosas, que determinariam o futuro da civilização."
P.S.:( sublinhado meu )
E confesso que se trata de uma das melhores críticas ao totalitarismo seja ele Soviético ou outro qualquer.

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