17/10/06

Recordar ROGER VAILLAND

Se fosse vivo teria feito ontem, dia 16 de Outubro, 99 anos. É um romancista que leio desde a minha adolescência. Influências do meu amigo Pedro M. Tenho ( e li ) todos os seus romances e ainda alguns ensaios e livros de viagens. Volto de vez em quando aos seus livros. Foi o que me apeteceu fazer hoje. Para alguns será um autor datado. Não estou de acordo e a releitura dos seus livros é a prova disso, pois é sempre feita com prazer. Foi membro da Resistência Francesa durante a 2ª Guerra Mundial. Desse período nasce o romance "Drôle de Jeu " ( em português "Cabra Cega" da editora Ulisseia, com tradução de Helder Macedo ). Um dos meus preferidos. "Compagnon de route" dos comunistas, inscreve-se no P.C.F. em 1952 e sai em 1956 aquando dos acontecimentos de Budapeste. Nesse período é um estalinista convicto.
A ruptura é dolorosa mas firme como se pode perceber do que diz nos seus "Escritos Íntimos - Volume 2" ( da Europa-América ) aquando da sua visita a Moscovo em 1956, já após o relatório Krutchev de Fevereiro desse ano :
- na pág. 14 ( de uma carta, inacabada e não enviada à mulher Élisabeth ) :
" Moscovo Maio de 1956,
(...) Como explicar-te tudo isto ? Esta grande história, que se desenrola aqui há quase meio século, entrou numa nova fase. Dar-se-ão passos atrás, regressos de chama, mas no conjunto forma-se algo de totalmente novo. Os nossos amigos franceses em vão machucaram os olhos para não verem, é assim. Os teus antepassados de Imola teriam compreendido melhor : imagina as saladas das suas pequenas repúblicas à escala de um único grande Estado de 200 milhões de homens.
(...) Não tenho tempo para escrever pormenorizadamente, mas lembra-me que te conte :
1 de Maio, no meio da multidão, no fim do desfile.
1 de Maio, um baile no «parque da cultura» da fábrica Zim.
1 de Maio, na mesma noite, uma festa muito em privado da gente jovem do círculo teatral da mesma fábrica,
a história de um mau jazz espontaneamente substituido pelos delegados dos povos africanos e asiáticos, o que constitui também uma famosa lição de política;
uma história de laranjas sobre a qual edifiquei uma teoria perfeitamente dialéctica da corrupção;
uma encenação de Nekrassov, de Sartre, por Ploutchik, discípulo de Meyerhold - e a terrível história do assassínio e da reabilitação de Meyerhold;
o cemitério dos artistas , escritores e mulheres ilustres do regime, no Convento das Novas Raparigas.Pensar em fazer um álbum sobre as novas formas da arte funerária no país dos Sovietes."
- e na página 15, no seu "Diário íntimo" a 5 de Junho de 1956 :
"Regresso de Moscovo.
À minha chegada, quinze dias antes, a estátua em pé de Estaline estava ainda no hall do aeroporto. No dia da minha partida, continuava lá, mas coberta com um resguardo branco.Em breve a vão retirar. Os homens da construção civil fixá-la-ão com nós corredios e puxarão a talha.
Cheguei a amar os tiques da sua linguagem. Colocava as primeiras pedras de um raciocínio, depois dizia «prossigamos»; adorei isso. Mas ao regressar a casa, foi bem preciso retirar o seu retrato da parede, por cima da minha secretária; deixá-lo, seria ter tomado partido contra aqueles que, lá, prosseguem a construção do mundo que ele começou a edificar, e a favor daqueles que, aqui ou algures, aspiram à tirania.
Nunca mais colocarei o retrato de um homem nas paredes da minha casa.
No canto da biblioteca reservado aos historiadores da Revolução Francesa tirei também as duas grandes gravuras da época, intituladas Jornada de 21 de Janeiro de 1793, Jornada do 16 de Outubro de 1793; vê-se aí o carrasco mostrar à multidão a cabeça de Capet, um outro carrasco erguer o cutelo da guilhotina, enquanto os auxiliares mandam subir para o cadafalso Maria Antonieta. A multidão aplaude. Convencional, teria votado pela morte de Luis XVI e pela de Maria Antonieta; quero com isto dizer que hoje ainda, em circunstâncias análogas, votaria a morte. Mas Meyerhold que amo, que amava, foi fuzilado, em execução de um julgamento injusto, ditado por Estaline, que eu amava. Nunca mais poderei alegrar-me por o sangue ser vertido, mesmo o dos meus inimigos, excepto se for por mim mesmo, em combate leal."
P.S. : foto de Marc Garanger "scaneada" a partir do livro de Yves Courrière "Roger Vailland ou Un libertin au regard froid" da Plon. Curioso o diagrama preso à parede para o seu romance "A Truta", de 1964, que viria a ser o último.

1 comentário:

Unknown disse...

Subscrevo as suas palavras sobre Vailland relativamente à influência que teve em mim, não na adolescência, mas já quando jovem adulta.

Não o considero um escritor datado, par contre, é nele que ainda me refugio quando nenhuma outra leitura me consegue estimular.