04/07/07

LEITURAS

O Eduardo Graça convida-me a manter a cadeia de leituras de cinco livros. Por que a leitura é um prazer aceito o convite. Aqui vão cinco livros :

" O Estrangeiro", de Albert Camus da "Livros do Brasil" .
O livro que me acompanha desde a minha adolescência. Um livro que começa assim:
"Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo : « Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.» Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem."
e acaba assim :
" Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio."
Mas que está cheio de luz.
" À Sombra das Chuteiras Imortais - crônicas de futebol", de Nelson Rodrigues da "Companhia das Letras".
Porque gosto de futebol e porque quem escreve isto :
"Ontem, só houve em campo um nome, uma figura, um show : - Garrincha. Os outros três campeões do mundo estavam lá também. Mas Didi, Zagalo e Nílton Santos pertencem à miserável condição humana. São mortais e susceptíveis de todas as contigências da carne e da alma. Jogaram por honra da firma e por um dever contratual. Estavam exaustos e no extremo limite de suas resistências emocionai e atléticas. Garrincha, não. Garrincha está acima do bem e do mal."
só pode ser um génio.
( A crónica refere-se ao jogo Botafogo 2 x 1 Fluminense de 10.07.1958, no Maracanã. O Campeonato Carioca começou dez dias depois da Copa da Suécia, durante os quais os campeões do mundo foram submetidos a um festival de homenagens. )
"Cabra Cega", de Roger Vailland, da "Ulisseia". Traduzido por Hélder Macedo e com um prefácio de José Cardoso Pires. Em francês chama-se "Drôle de Jeu". Penso que nunca foi reeditado. Talvez seja possivel encontrá-lo em alfarrabistas.
A 2ª Guerra Mundial e a resistência francesa.O herói do romance tem o nome de clandestinidade Marat. Acredita na revolução socialista mas também na soberania individual de cada um. À época Vailland é militante do PCF e acredita firmemente no modelo da URSS até ao dia que regressado do XX Congresso do PCUS escreve nos "Escritos Íntimos " ( Vol II ) :
"5 de Junho 1956. Regresso de Moscovo.
À minha chegada, quinze dias antes, a estátua em pé de Estaline estava ainda no hall do aeroporto. No dia da minha partida, continuava lá, mas coberta com um resguardo branco. Em breve a vão retirar. Os homens da construção civil fixá-la-ão com nós corredios e puxarão a talha.
Cheguei a amar os tiques da sua linguagem. Colocava as primeiras pedras de um raciocínio, depois dizia «prossigamos»; adorei isso. Mas ao regressar a casa, foi bem preciso retirar o seu retrato da parede, por cima da minha secretária; deixá-lo, seria ter tomado partido contra aqueles que, lá, prosseguem a construção do mundo que ele começou a edificar, e a favor daqueles que, aqui ou algures, aspiram à tirania."
Nunca mais colocarei o retrato de um homem nas paredes da minha casa."
"HERZOG", de Saul Bellow, da "Relógio de Água.
Li-o a primeira vez na altura que foi editado em português e o meu pai o comprou. Algures entre 1972 e 1974. Nunca mais voltei a Bellow. Aquando da sua morte em 2005 e na ausêmcia de edições em português comecei a lê-lo em inglês. Quando encontrei de novo a edição de "Herzog", em português, reli o romance e soube-me tão bem como há 30 anos. Quando as histórias têm personagens como as de Bellow é impossivel não gostar.
"Histórias de 1 minuto, vol. 1", de István Örkény da "Cavalode Ferro".
Autor húngaro que tenta levar o leitor a começar a escrever começando por coisas simples e que possam ser lidas em 1 minuto. Logo na página 13, na Introdução, tenta definir as regras para o conseguirmos. Destaco uma : " Temos de meter bem na cabeça que devemos evitar a incontinência na linguagem." O resto são 50 contos curtos e quase todos deliciosos. Uma boa oferta para iniciar jovens ( e não só ) no prazer da leitura.
Agora passo a bola ao Nikonman, ao Expresso da Linha, ao Guinote, ao Perdido pela Cidade e à Isabel .

2 comentários:

pedro oliveira disse...

O Estrangeiro e Garrincha (o anjo das pernas tortas) só por isso valeu a pena passar por aqui.

nikonman disse...

Já lá está a resposta ao desafio.
Um abraço.