08/10/07

Como Roger Vailland matou o mito de Estaline ( II )

Carta de Vailland, inacabada e não enviada , a Élisabeth, de Moscovo, Maio de 1956 :
" No final dos tempos
É o fim dos anjos
é a fome das línguas
é o fim das fomes.

Minha doçura, minha petulância matinal, minha alegria nocturna, meu prazer pomeridiano, minha felicidade nocturna...
Como explicar-te tudo isto ? Esta grande história, que se desenrola aqui há quase meio século, entrou numa nova fase. Dir-se-ão passos atrás, regressos de chama, mas no conjunto forma-se algo de totalmente novo. Os nossos amigos franceses em vão machucaram os olhos para não verem, é assim. Os teus antepassados de Imola teriam compreendido melhor : imagina as saladas das suas pequenas repúblicas à escala de um único grande Estado de 200 milhões de homens.

Não se engana a fome
com mata-fomes
Não se mata o pai
Com qualquer pedra
Porque é preciso.
( inacabado no manuscrito)

Vai ser preciso retirar o retrato por cima da secretária. Foi um homem muito genial e muito terrível, amo-o, mas já não tem mais razão de estar ali ( por cima da minha secretária ) do que Héliogabalé. Agora apalpam-se coisas novas, que ainda não são muito agradáveis, mas que se tornarão atraentes e perfeitamente diferentes do que os pedantes e os puritanos imaginavam.
Não tenho tempo para escrever pormenorizadamente, mas lembra-me que te conte :
1 de Maio, no meio da multidão, no fim do desfile.
1 de Maio, um baile no «parque da cultura» da fábrica Zim.
1 de Maio, na mesma noite, uma festa muito em privado da gente nova do círculo teatral da mesma fábrica,
a história de um mau jazz espontaneamente substituido pelos delegados dos povos africanos e asiáticos, o que constitui também uma famosa lição de política;
uma história de laranjas sobre a qual edifiquei uma teoria perfeitamente dialéctica da corrupção;
uma encenação de Nekrassov, de Sartre, por Ploutchik, discípulo de Meyerhold - e a terrível história do assassínio e da reabilitação de Meyerhold;
o cemitério dos artistas, escritores e mulheres ilustres do regime no Convento das Novas Raparigas. Pensar em fazer um álbum sobre as novas formas de arte funeária no país dos Sovietes."
( "Escritos Íntimos, Volume 2 ", pág 13 e 14 - Publicações Europa-América )
( continua )

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