" Margotte era baixa, roliça, cheia. De meias pretas, as suas pernas eram atraentemente torneadas. Sentada, costumava pousar um pé como as bailarinas, com a parte de dentro recurvada para fora. Encostava o punhozinho forte à anca. Arkin contara um dia ao tio Sammler que ela era de primeira categoria para quem a soubesse conduzir na direcção certa. Era uma boa alma, costumava ele dizer, mas a energia da bondade pode trazer problemas. Sammler já tivera provas disso. Ela não conseguia lavar um tomate sem ficar com as mangas molhadas. A casa tinha sido assaltada porque um dia ela abriu a janela para admirar o pôr-do-sol e esquecera-se de a trancar. Os ladrões entraram na sala de jantar pelo telhado que ficava logo abaixo. O valor sentimental dos medalhões, fios, anéis e objectos de família não foi considerado pela companhia de seguros. As janelas estavam agora fechadas com pregos e tapadas com cortinados. Comia-se à luz das velas. Apenas a claridade necessária para ver as reproduções emolduradas compradas no Museu de Arte Moderna e, ao fundo da mesa, margotte a servir, a salpicar a toalha toda; o seu sorriso lindo, escuro e meigo, com dentes pequenos, limpos, imperfeitos, e uns olhos azuis onde não havia ponta de maldade. Uma criatura enfadonha, cheia de boa vontade, alegre, determinada, desastrada. As chávenas e a louça estavam sempre gordurosas. Esquecia-se de puxar o autoclismo. Mas tudo isso era fácil de suportar. O problema era a sua veemência - falava de tudo o que se pode imaginar com a teimosia dos alemães. Como se ser judia já não bastasse, a mulher era também alemã.
- Qual é a sua opinião, querido tio Sammler ?- perguntava por fim. - Sei que pensas no assunto. Passaste por muita coisa. Tu e o Ussher conversavam muito sobre aquele velho louco, o rei Rumkowski. O homem de Lodz...Que dizes ?
O tio Sammler tinha faces compactas, uma excelente cor para um homem de 70 anos e poucas rugas. Havia, porém, do lado direito, o lado cego, umas rugas compridas, como as linhas de um vidro partido ou as rachas no interior de um pedaço de gelo."
Saul Bellow no seu melhor. Como se Margotte estivesse aqui ao pé de mim enquanto leio o livro daa edição portuguesa da "Texto Editores " ( tradução de Sofia Gomes )
São só 15,29 €
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1 comentário:
Bellow no seu melhor, embora eu o ache sempre bom.
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