Há uns anos, largos, trabalhei numa empresa portuguesa que tinha accionistas alemães. O director de produção, na fábrica em Portugal, era alemão. Ficava, sempre, impressionado com a capacidade de desenrascanço dos portugueses, fossem operários ou chefes. Se acontecia um problema e não havia os meios e as condições para pôr tudo a 100% de imediato, os portugueses logo inventavam uma solução que permitisse continuar a labuta até que chegassem os meios.
Mais tarde, numa visita à fábrica alemã ( em Hannover ), percebi um bocado melhor o porquê da incapacidade alemã para o improviso. Num "plant tour" , numa das linhas de produção perguntei ao chefe de turno há quanto tempo não faziam uma mudança de produção. Disse-me : " Há um ano ". Ou seja, há um ano que estavam a produzir o mesmo produto na mesma linha. Coisa impensável na fábrica em Portugal. Questões de escala. O chefe de turno alemão e a sua equipa na prática passaram um ano a pastorar, não carneiros ( onde sempre há umas surpresas ) mas uma linha de produção que produzia sempre o mesmo produto. Daí os alemães ( que não os pastores ) ficarem um bocado quadrados no que ao desenrascanço diz respeito
Nós por cá tinhamos mudança de produção todas as semanas na maioria das 7 linhas. E o máximo que conseguiamos era ter uma ou duas linhas a produzir o mesmo produto durante 3 semanas.
O desenrascado é um personagem que encontrei ao longo da minha vida profissional em várias indústrias. Geralmente é um criativo e um bem intencionado. Não procura a glória. Depois de resolvido o problema, prefere ir beber uns copos e comer uns caracóis, se for Verão. É um individualista e não regista a solução, para que de futuro outros possam saber resolver problema idêntico. Também não gosta de ser promovido. Perde liberdade.
Depois há os xicos-espertos. Esses são os que pouco fazem mas estão no sítio certo à hora certa para ganharem os louros ( ou os euros ). Sabem dizer mal de tudo e de todos para assim ninguém olhar para eles, não fossem ( os outros ) descobrir que ganham a vida disso mesmo. São calculistas. Fomentam a divisão. Têm a conta bancária recheada mas dizem que está tudo mal e que se fossem eles que mandassem...
Nas crise os desenrascados passam fome, os xicos-espertos não.
Os alemães não sei. Não vivo na Alemanha.
Bom fim de semana.
6 comentários:
O retrato do desenrascado é muito bom, é o meu método de trabalho e carreira, chapada. Nunca procurei a promoção, passo os caracóis também, fico-me pela fotografia e passeios a pé.
Nem sequer registo a solução para mim mesmo, infelizmente. Às vezes dava jeito.
Bom fim de semana
Ser marinheiro e pescador de dóri, não era na realidade tarefa fácil, e nem todos os rapazes que embarcavam nesses navios conseguiam vencer Era necessário coragem, força de vontade, espírito de luta e muita prática da vida do mar-mas prática daquela só se adquire nessas terras da nossa costa, onde se nasce ouvindo
as vagas , e onde os mais velhos, como estímulo para os jovens, quando por descuido ou preguiça a tarefa fica incompleta, costumavam dizer: «- Então, é assim que queres ir ao bacalhau? Safa-te homem, e não te atarantes.»
António Marques da Silva, "A
Memória dos Bacalhoeiros", 1999
Gostei desse seu texto. Bastante. Ele remete-me para uma experiência profissional que comprova o que diz. Quanto ao mito da falta de produtividade no trabalho e às questões da produtividade, deixo um testemunho com grandes semelhanças. Como consultor de processos industriais colaborei para uma fábrica de componentes, nas Caldas Da Rainha, que produzia para uma reputada marca alemã. O administrador delegado, um alemão de aparencia dura e autoritária, fez o brilharete de transformar a unidade portuguesa de entre as mais flexiveis. Tinha como recurso: engenheiros portugueses e cerca de 300 desenrascadores de perfil similar ao que descreveu. Se a nossa idustria não mexe é por razões que a razão desconhece...
Abraço
Gostei de ler.
Um fim de semana alucinante, sobretudo no Domingo!
:)))
Gosto bastante sempre (ou quase sempre) do que escreve. Mas, confesso que cansa ver sempre os mesmos a comentar. Antes de abrir os comentários já se sabe o que aí vem, não querendo de todo ser desagradável para o seus amigos, entenda-se. Mas alguns deveriam ter a noção que aparecer diariamente se torna monótono, independentemente do interesse das suas opiniões.
Porém, todavia, contudo... gosto de aqui vir, de o ler.
Leonor Costa Pinto
Boa noite Leonor,
Ainda bem que gosta.
A caixa de comentários é aberta. É uma opção.
É bem vindo quem vier por bem.
E se agora são amigos é porque os "conheço" de por cá passarem.
Um bom domingo e volte sempre :))
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