03/09/11

Desinteressados ou portugalizados ?

"Don Cesare está desinteressado, como os desempregados estão desocupados. Não é culpa deles, não é culpa dele. Não se sente muito diferente dos desocupados que esperam todo o dia, de pé, ao longo das paredes da Praça Principal De Porto Manacore; mas ele nem sequer tem esperança que sobrevenha um acontecimento que o preocupe. Da esperança também se desinteressou.
Com o seu hábito da filosofia a história, pergunta a si mesmo, por vezes, porque é que se desinteressou, ele, Don Cesare, nas proximidades da segunda metade do século XX, no pântano de Uria. Pergunta, sem ligar a isso muita importância, porque conservou o hábito de fazer perguntas a si mesmo, como conservou todos os seus outros hábitos.
Entre 1904 e 1914, entre os vinte e os trinta anos, tinha viajado por toda a Europa, durante as férias universitárias, para completar a sua educação, seguindo o desejo do seu pai. Um Verão, quando voltava de Londres, ao ir embarcar em Valência para Nápoles, tinha passado por Portugal. Tinha posto a si mesmo mil perguntas sobre o declínio dessa nação cujo império se tinha estendido à volta do Globo. Tinha conhecido escritores que não escreviam para ninguém; homens políticos que governavam para os Ingleses; homens de negócios que liquidavam os seus estabelecimentos do Brasil e viviam de pequenas rendas, em cidades de província, sem finalidade. Ele tinha pensado que era a pior das infelicidades nascer Português. Em Lisboa, pela primeira vez na sua vida, tinha-se encontrado com um povo que se tinha desinteressado.
Hoje, pensa que por sua vez os Italianos, os Franceses, os Ingleses se desinteressaram. O interesse emigrou para os Estados Unidos, para a Rússia, para a China, para as Índias. Ele vive num país que se desinteressou, salvo aparentemente as províncias do Norte, mas isso não passa de aparência, uma vez que os italianos do Norte, como os Franceses, escondem o seu desinteresse com o ruído dos seus automóveis e das suas scooters. Os Italianos e os Franceses começaram a portugalizar-se depois da Segunda Guerra Mundial. Eis o que ele pensa, sem lhe atribuir grande interesse."

in páginas 65 e 66 de "A Lei" ( "La Loi" no original, escrito em 1957)  de Roger Vailland (clicar), nº 101 da colecção "Livros de Bolso  Europa-América", tradução de Amarina Alberty.

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