"Encontramo-nos, pois, com a mesma diferença que existe eternamente entre o estúpido e o perspicaz. Este surpreende-se a si mesmo sempre a dois dedos de ser estúpido; por isso faz um esforço para escapar à estupidez iminente, e a inteligência consiste nesse esforço. O estúpido, pelo contrário, não suspeita de si mesmo : julga-se discretíssimo, e daí a invejável tranquilidade com que o néscio se alicerça e instala na sua própria necedade. Como aqueles insectos que não há maneira de tirar do orifício onde vivem, não há modo de desalojar o estúpido da sua estupidez, levá-lo a passear um bocado mais além da sua cegueira e obrigá-lo a contrastar a sua rude visão habitual com outros modos de ver mais subtis. O estúpido é vitalício e sem poros. Por isso Anatole France dizia que um néscio é muito mais funesto que um malvado. Porque o malvado descansa algumas vezes; o néscio, jamais (1) ."
(1) " Muitas vezes me pus a seguinte questão : é indubitável que para muitos homens deve ter sido desde sempre um dos tormentos mais angustiantes da sua vida o contacto, o choque, com a estupidez do próximo. Como é possível, no entanto, que nunca se tenha tentado - me parece - um estudo sobre ela, um Ensaio sobre a Estupidez ? "
Ortega y gasset in "A Rebelião das Massas", página 82 da edição da Relógio D'Água, com tradução de Artur Guerra.
A primeira edição de A Rebelião das Massas apareceu em 1930, e o seu primeiro capítulo fora publicado em El Sol com data de 24 de Outubro de 1929.
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