Luanda : fragmentos de cartas ( I )

Luanda. 43 anos depois. Vista pela câmara fotográfica e pelos fragmentos de cartas do meu irmão mais novo que lá regressou !

"Como podem constatar elas são fotografias de rua e pretendem imprimir a minha impressão depois de 43 anos de ausência. Essa impressão não é no sentido de estabelecer comparações ou equivalências com uma terra em que o tempo, ou melhor a sua paragem, se encarregou de desfocar a minha memória. A Luanda que guardo na minha memória é uma Luanda pequenina e sofrer um processo de desenvolvimento empurrado pela guerra iniciada em 1961."

"As carrinhas azuis e brancas de 9 (?) lugares que vêem em algumas fotos são os “Kandongueiros” que garantem o transporte de milhões de passageiros."

"Anteontem estava eu em frente à Embaixada de Portugal, na avenida discretamente inclinada, dentro do automóvel que me tem transportado, quando começo a ouvir os barulhos típicos de viatura a ir batendo em tudo o que era sítio em sinal de perca de travões com o condutor desesperadamente à procura de uma árvore para se enfaixar e evitar males maiores! Acabou por se enfaixar numa árvore da embaixada! "

"Outra coisa que dá para ver nas fotos são os vendedores ambulantes. Aqui são verdadeiramente ambulantes: estão sempre a andar para disfarçarem a sua posição e não serem apanhados pela polícia que os persegue tenuemente. Vendem de tudo, mas literalmente de tudo. "

"Há uma fotografia que não está nada de especial mas que regista um edifício - o dos correios – que quando lá passei me projectou de repente e instantaneamente a recordação das nossas idas ao domingo, creio, para o meu Pai ir levantar o correio da metrópole da caixa postal, cujo número ainda recordava até há alguns anos atrás. "

"Ainda não consegui fotografar a parte visível da nossa casa perto do Miramar: um muro gigantesco protege-a - soube que ela foi ocupada primeiro por russos logo a seguir à independência, depois por um graúdo da UNITA em 1992 aquando do momento das eleições. Agora é ocupada por americanos de petrolíferas. O estado dela está bastante satisfatório. Vou tentar entrar lá. "

"Das fotos que vos envio há uma que me tem uma carga simbólica enorme que é de uma senhora já com alguma idade rodeada de uma estante de madeira cheia de calhamaços: são registos de baptizados que as igrejas faziam e que se substituíam ao registo civil. Como durante anos no meu BI o local de nascimento registava S. Paulo de Luanda foi à Igreja de S. Paulo que fiz a primeira incursão sem sucesso, para tentar obter a certidão de nascimento. Depois de ter percorrido quase todas as igrejas de Luanda finalmente consegui saber que fui baptizado na igreja do Carmo e que hoje vou ficar na posse da tão ansiada certidão. "

" Há percursos que ainda não fiz: o Liceu Salvador Correia de Sá, a escola primária da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, o Baleizão, o Mussulo, o interior da fortaleza, os Coqueiros, Alvalade, a estrada de Catete e do Cacuaco, a ida ao Miramar (à sua volta há uma arborização pujante), a ida ao porto e ao Palácio de Vidro, onde o meu Pai trabalhou."

Luanda, 23 de Março de 2007

Nota : as fotos foram por mim escolhidas sem ter falado com o meu irmão mas penso que correspondem ao descrito, salvo a do acidente ! Por outro lado convém transcrever o que ele diz sobre as mesmas : " As fotos em anexo carecem de alguma orientação explicativa que farei quando regressar e estiver convosco. Elas são instantâneas, a maioria. Tiradas de dentro do automóvel, apresentam uma qualidade bastante satisfatória, As cópias que vos envio são de formato reduzido e por isso podem perder alguma qualidade. As originais têm uma qualidade gráfica muito boa."